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J. H. SANTOS BARROS
( Portugal - 1946 // 1983 )
José Henrique Santos Barros nasceu em 1946 em Angra do Heroísmo e morreu, num acidente de viação, em Espanha, em maio de 1983.
Poeta neo-realista.
HUMIDADE
O melhor é abrir a porta minha mãe
respirar o cansaço por fora enquanto bordas
borda a borda o barco se parte todo
um mau fogo o abrasa.
Nós estamos silenciosos e húmidos.
Escuta a pulsação como doem os pulsos
pulos da infância o respirar da arca
entrar o sol ao fechá-lo dentro
( in A Humidade )
DECLARAÇÃO
Orgulho‑me
de ser um português que sabe ler, escrever e contar e
ainda por cima teve a felicidade de nascer logo exilado — minhas ilhas
campainhas do futuro, porta‑avioes
para a próxima grande guerra que
se Deus Nosso Senhor quiser há de ser a última!
Ó cavernosos vendedores do silêncio: celebrai a palavra,
devorai a raiva!
Além do mais, interessa‑
me muito pouco o que se passa aqui dentro.
Se levantares os olhos, verás o ódio a tremer, da febre do medo, nossa
peste que já levou nossos pais, que nos está a levar e que, jurámos, não
levará nossos filhos. E daí, o que farás?
Sou humilde.
Homem.
Homens.
Façamos dos pecados a penitente e decisiva contrição da terra.
PÁSSAROS
Eu não sei o nome desses pássaros que viajam alto.
Anjos? Não. Ouve-se-lhes bater o coração.
Os nazis distribuíam sopa aos pobres
(vejo na TV como quem diz “nem tudo foi mau”)
Revejo-me numa foto de 70
dando sopa aos pobres de Canagombe. —“Tu és nazi,
pergunto?”
Não te compete a ti explicar-te, rapaz
sobretudo quando escreves versos
e pensas que em qualquer caso vale sempre a pena
adiar um pouco mais a morte.
E nem nunca mesmo ninguém explicou se um império
que morre
morre de imortalidade ou de morte natural.
Tranquiliza-te: a besta és
tu a suportas cada vez menos. Isso é bom, tão sério
sendo?
(In: Os alicates no tempo. 1949)
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Página publicada em novembro de 2021
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